20/03/17



Pontos de Consenso
relativamente ao 
Novo Modelo de Apoio às Artes


As organizações que subscrevem este documento apresentam por este meio propostas representativas que pretendem servir de contributo para o Novo Modelo de Apoio às Artes, desenvolvidas a partir de ideias consensuais dentro das suas estruturas e dos contactos mantidos nos últimos anos com trabalhadores e entidades de criação e programação, e que se julga reunirem um amplo apoio no seio da comunidade que representam.

O Novo Modelo de Apoio às Artes deve responder de forma mais eficaz, mais acessível e mais transparente aos desafios atuais da criação e ao dever constitucional de assegurar condições para a criação e fruição cultural plural em todo o território. Como garantia destas condições, considera-se fundamental o princípio da independência, ao qual subjazem todas as propostas abaixo descritas, valorizando a liberdade e a expressão democrática.


1. Política cultural clara, esclarecida e independente

Os princípios orientadores de uma política cultural do Estado devem garantir uma base para pôr em prática o que a Constituição consagra, a par de um diálogo com o presente. Só esse é o garante de independência face a interesses predominantes em cada ciclo legislativo ou face aos imperativos de ordem económica e financeira que na última década se impuseram sobre os valores fundadores da democracia e põem continuamente em causa o estado de direito.
Uma política cultural clara prima por assegurar a coerência entre os instrumentos de que se serve e os princípios que defende. Uma política cultural independente e esclarecida valoriza também todos os mecanismos e instrumentos que garantem a independência do setor de forma transversal, seja no que diz respeito aos seus agentes, seja no que diz respeito às instituições e estruturas privadas, bem como fomenta e suporta o trabalho especializado e o seu desenvolvimento responsável em prol da sociedade em geral. 


2. Apoio à criação

A definição da criação artística como um campo específico dentro do setor cultural, a progressiva especialização e profissionalização dos agentes,  a centralização dos apoios na iniciativa independente na dimensão artística e conceptual dos projetos e a distribuição de apoio através de concursos são conquistas de anos, que fizeram de Portugal um dos núcleos de criação artística internacional mais profícuos e respeitados, e devem ser mantidas e intensificadas na estratégia que se vier a definir no Novo Modelo de Apoio às Artes. A continuidade e intensificação desta estratégia contribui e poderá contribuir ainda mais para a evolução da criação e da sociedade portuguesas.
O apoio direto à iniciativa dos artistas e estruturas independentes, através de concursos, sem mediadores com interesses diretos envolvidos na decisão, é fundamental para garantir a diversidade, independência e isenção das forças do mercado.
 É fundamental para a disseminação destes valores por todos os setores da sociedade e para esboroar divisões desnecessárias entre elites esclarecidas e ativas e maiorias que acriticamente vêm normalizando a governação pública, porque se normalizaram também os canais e as formas pelos quais se exprimem, limitando a participação crítica dos cidadãos. A democratização do conhecimento e de todas as ferramentas que fortaleçam o livre pensamento são fundamentais para alimentar um sistema poroso, de trocas livres, e não um sistema de mercado, onde o acesso é condicionado por aquilo que mais vende (mais espetadores, mais likes, ...) ou pela dependência de um núcleo circunscrito de mediadores.
É necessário, a par de uma adequação das modalidades de apoio à complexidade e escala dos projetos, a criação de concursos específicos e ajustados para entidades emergentes, com uma percentagem definida do valor total dos apoios. 
A par do apoio à criação artística, o apoio à programação independente é fundamental para que se mantenha a independência e liberdade de compromissos políticos e económicos e para contrabalançar a tendência de uniformização que rege atualmente a sociedade, o setor cultural e o setor da “informação”.
Das auscultações realizadas junto dos profissionais do setor, concluímos que é difícil que uma mesma matriz concursal responda a diferentes necessidades, formas de organização, divulgação, comunicação e objectivos e períodos de produção. Assim, parece-nos importante enveredar pela criação de concursos separados para algumas das disciplinas apoiadas, nomeadamente as artes visuais e as artes performativas.
É necessário, por fim, aumentar o financiamento destinado ao apoio às artes, com o intuito de garantir maior estabilidade laboral, para além da sustentabilidade artística e de produção a um maior número de entidades – estas condições são uma verdadeira defesa da criação artística, refletida, criteriosa, feita no respeito pelos seus tempos próprios.


3. Não instrumentalização da arte

Arte e sociedade nunca estiveram desligadas, apesar de uma aparência, em determinadas épocas históricas, de que a arte e os artistas existiam num campo apartado da sociedade. Hoje, por contraponto, assistimos a sucessivas tentativas de instrumentalização da arte, ou reduzindo o espaço para a atividade de criação artística ao que se pretende conhecer sobre “aquilo que os públicos querem”, numa lógica geralmente paternalista e populista, ou fazendo da arte o “embaixador agradável” de mudanças que nem a educação, nem a economia, nem a política estão a ser capazes de fazer, pois os paradigmas que suportavam a nossa organização social estão em falência, constrangidos pelo predomínio da lógica de mercado, ela própria destinada a falir.
A arte é de facto um instrumento, mas um instrumento radical. Só a sua independência material e simbólica é o garante de que ela pode operar sobre as estruturas que poderemos querer mudar. Só uma crença, na radicalidade fraturante da criação artística e na vitalidade que ela pode imprimir à humanidade, fomenta o livre pensamento.


4. Seleção

A atribuição de apoios deve passar sempre por processos concursais. Todos os concursos devem ter júris e estes devem ser escolhidos pelas equipas dos organismos da tutela, de forma independente, e devem apresentar garantia de total isenção e competência, sem margem para conflitos de interesses.


5. Cumprimento 

Os prazos de concurso e dos processos devem ser fixos, estar claramente definidos e ser cumpridos.
Devem estar previstas sanções para o incumprimento de prazos e pagamentos por parte do Estado.
Os prazos para pagamento devem ser fixos e dentro dos prazos de execução das atividades apoiadas.
A dotação orçamental plurianual para a Cultura para todos os concursos deve considerar-se como possível solução.
Deverá ser contemplada a renovação automática dos contratos anteriores caso os concursos não sejam abertos dentro dos prazos estabelecidos.



6. Ética

O Estado deve beneficiar e incentivar comportamentos éticos.
É fundamental fixar e publicar uma carta de boas práticas do setor, que abranja princípios de atuação, princípios de relação entre os profissionais, tabelas salariais e de despesas que, mesmo não sendo vinculativa, possa constituir um referente para aqueles que hoje trabalham e para aqueles que hoje estão em formação.


7. Desburocratização e flexibilidade

Deve ser assegurada menos burocracia para todos os concursos e mais flexibilidade nos processos.
Deve proceder-se à remodelação da atual plataforma de entrega de candidaturas.
Deve ser dada prioridade, nos pressupostos dos concursos e na avaliação, à qualidade artística da proposta apresentada e não à formatação da própria proposta. 


8. Fruição

A fruição cultural está consagrada na constituição da República Portuguesa. Ela existe como direito dos cidadãos antes e para além do mercado de bens. Assim, a disseminação dos objetos, das práticas, das ideias e do conhecimento devem estar acessíveis a todos os diferentes cidadãos, em todos os diferentes contextos, não deve estar exclusivamente assente na lógica da procura e do mercado.
Neste campo, a escola e todos os campos da educação são fundamentais e o Estado deve assegurar também que o acesso às artes e à cultura está inequivocamente consagrado no seio da escola e no centro das aprendizagens que todos podem experienciar.
Só a independência garantirá a democratização da fruição, pois os projetos de programação e de formação de públicos deixam de estar sujeitos aos constrangimentos do mercado, dos números e dos interesses partidários ou individuais, para serem norteados por princípios de livre acesso à diversidade de formas de expressão.


9. Condições laborais

Deve proceder-se ao desenvolvimento de um plano realizado em articulação com os sindicatos, as entidades apoiadas e as estruturas estatais, que estabeleça medidas definidas para erradicar a precariedade laboral no setor a par do correspondente aumento de verbas para o mesmo. 


10. Plataforma de divulgação

Deve ser criada uma plataforma de divulgação e promoção pública de todas as criações apoiadas, de distribuição e acesso fáceis em todo o território e que utilize vários meios de comunicação.


CENA – Sindicato dos Músicos, dos Profissionais do Espectáculo e do Audiovisual 
PLATEIA – Associação de Profissionais das Artes Cénicas
REDE – Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea
STE – Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos







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