Pontos de Consenso
relativamente ao
Novo Modelo de Apoio às Artes
As organizações que subscrevem este documento apresentam
por este meio propostas representativas que pretendem servir de contributo para o
Novo Modelo de Apoio às Artes, desenvolvidas a partir de ideias consensuais
dentro das suas estruturas e dos contactos mantidos nos últimos anos com
trabalhadores e entidades de criação e programação, e que se julga reunirem um
amplo apoio no seio da comunidade que representam.
O Novo Modelo de Apoio às Artes deve responder de forma
mais eficaz, mais acessível e mais transparente aos desafios atuais da criação
e ao dever constitucional de assegurar condições para a criação e fruição
cultural plural em todo o território. Como garantia destas condições,
considera-se fundamental o princípio da independência, ao qual subjazem todas
as propostas abaixo descritas, valorizando a liberdade e a expressão
democrática.
1. Política cultural clara, esclarecida e
independente
Os princípios orientadores de uma política cultural do
Estado devem garantir uma base para pôr em prática o que a Constituição
consagra, a par de um diálogo com o presente. Só esse é o garante de
independência face a interesses predominantes em cada ciclo legislativo ou face
aos imperativos de ordem económica e financeira que na última década se
impuseram sobre os valores fundadores da democracia e põem continuamente em
causa o estado de direito.
Uma política cultural clara prima por assegurar a
coerência entre os instrumentos de que se serve e os princípios que defende.
Uma política cultural independente e esclarecida valoriza também todos os
mecanismos e instrumentos que garantem a independência do setor de forma
transversal, seja no que diz respeito aos seus agentes, seja no que diz
respeito às instituições e estruturas privadas, bem como fomenta e suporta o
trabalho especializado e o seu desenvolvimento responsável em prol da sociedade
em geral.
2. Apoio à criação
A definição da criação artística como um campo específico
dentro do setor cultural, a progressiva especialização e profissionalização dos
agentes, a centralização dos apoios na iniciativa independente na
dimensão artística e conceptual dos projetos e a distribuição de apoio através
de concursos são conquistas de anos, que fizeram de Portugal um dos
núcleos de criação artística internacional mais profícuos e respeitados, e
devem ser mantidas e intensificadas na estratégia que se vier a definir no Novo
Modelo de Apoio às Artes. A continuidade e intensificação desta estratégia
contribui e poderá contribuir ainda mais para a evolução da criação e da
sociedade portuguesas.
O apoio direto à iniciativa dos artistas e estruturas
independentes, através de concursos, sem mediadores com interesses diretos
envolvidos na decisão, é fundamental para garantir a diversidade, independência
e isenção das forças do mercado.
É fundamental para a disseminação destes valores
por todos os setores da sociedade e para esboroar divisões desnecessárias entre
elites esclarecidas e ativas e maiorias que acriticamente vêm normalizando a
governação pública, porque se normalizaram também os canais e as formas pelos
quais se exprimem, limitando a participação crítica dos cidadãos. A
democratização do conhecimento e de todas as ferramentas que fortaleçam o livre
pensamento são fundamentais para alimentar um sistema poroso, de trocas livres,
e não um sistema de mercado, onde o acesso é condicionado por aquilo que mais
vende (mais espetadores, mais likes, ...) ou pela dependência de um
núcleo circunscrito de mediadores.
É necessário, a par de uma adequação das modalidades de
apoio à complexidade e escala dos projetos, a criação de concursos específicos
e ajustados para entidades emergentes, com uma percentagem definida do valor
total dos apoios.
A par do apoio à criação artística, o apoio à programação
independente é fundamental para que se mantenha a independência e liberdade de
compromissos políticos e económicos e para contrabalançar a tendência de
uniformização que rege atualmente a sociedade, o setor cultural e o setor da
“informação”.
Das auscultações realizadas junto dos profissionais do
setor, concluímos que é difícil que uma mesma matriz concursal responda a
diferentes necessidades, formas de organização, divulgação, comunicação e objectivos
e períodos de produção. Assim, parece-nos importante enveredar pela
criação de concursos separados para algumas das disciplinas apoiadas,
nomeadamente as artes visuais e as artes performativas.
É necessário, por fim, aumentar o financiamento destinado
ao apoio às artes, com o intuito de garantir maior estabilidade laboral, para
além da sustentabilidade artística e de produção a um maior
número de entidades – estas condições são uma verdadeira defesa da criação
artística, refletida, criteriosa, feita no respeito pelos seus tempos próprios.
3. Não instrumentalização da arte
Arte e sociedade nunca estiveram desligadas, apesar de
uma aparência, em determinadas épocas históricas, de que a arte e os artistas
existiam num campo apartado da sociedade. Hoje, por contraponto, assistimos a
sucessivas tentativas de instrumentalização da arte, ou reduzindo o espaço para
a atividade de criação artística ao que se pretende conhecer sobre “aquilo que
os públicos querem”, numa lógica geralmente paternalista e populista, ou
fazendo da arte o “embaixador agradável” de mudanças que nem a educação, nem a
economia, nem a política estão a ser capazes de fazer, pois os paradigmas que
suportavam a nossa organização social estão em falência, constrangidos pelo
predomínio da lógica de mercado, ela própria destinada a falir.
A arte é de facto um instrumento, mas um instrumento
radical. Só a sua independência material e simbólica é o garante de que ela
pode operar sobre as estruturas que poderemos querer mudar. Só uma crença, na
radicalidade fraturante da criação artística e na vitalidade que ela pode
imprimir à humanidade, fomenta o livre pensamento.
4. Seleção
A atribuição de apoios deve passar sempre por processos
concursais. Todos os concursos devem ter júris e estes devem ser escolhidos
pelas equipas dos organismos da tutela, de forma independente, e devem
apresentar garantia de total isenção e competência, sem margem para conflitos
de interesses.
5. Cumprimento
Os prazos de concurso e dos processos devem ser fixos,
estar claramente definidos e ser cumpridos.
Devem estar previstas sanções para o incumprimento de
prazos e pagamentos por parte do Estado.
Os prazos para pagamento devem ser fixos e dentro dos
prazos de execução das atividades apoiadas.
A dotação orçamental plurianual para a Cultura para todos os concursos deve considerar-se como possível solução.
A dotação orçamental plurianual para a Cultura para todos os concursos deve considerar-se como possível solução.
Deverá ser contemplada a renovação automática dos
contratos anteriores caso os concursos não sejam abertos dentro dos prazos
estabelecidos.
6. Ética
O Estado deve beneficiar e incentivar comportamentos
éticos.
É fundamental fixar e publicar uma carta de boas práticas
do setor, que abranja princípios de atuação, princípios de relação entre os
profissionais, tabelas salariais e de despesas que, mesmo não sendo
vinculativa, possa constituir um referente para aqueles que hoje trabalham e
para aqueles que hoje estão em formação.
7. Desburocratização e flexibilidade
Deve ser assegurada menos burocracia para todos os
concursos e mais flexibilidade nos processos.
Deve proceder-se à remodelação da atual plataforma de
entrega de candidaturas.
Deve ser dada prioridade, nos pressupostos dos concursos
e na avaliação, à qualidade artística da proposta apresentada e não à
formatação da própria proposta.
8. Fruição
A fruição cultural está consagrada na constituição da
República Portuguesa. Ela existe como direito dos cidadãos antes e para além do
mercado de bens. Assim, a disseminação dos objetos, das práticas, das ideias e
do conhecimento devem estar acessíveis a todos os diferentes cidadãos, em todos
os diferentes contextos, não deve estar exclusivamente assente na lógica da
procura e do mercado.
Neste campo, a escola e todos os campos da educação são
fundamentais e o Estado deve assegurar também que o acesso às artes e à cultura
está inequivocamente consagrado no seio da escola e no centro das aprendizagens
que todos podem experienciar.
Só a independência garantirá a democratização da fruição,
pois os projetos de programação e de formação de públicos deixam de estar
sujeitos aos constrangimentos do mercado, dos números e dos interesses
partidários ou individuais, para serem norteados por princípios de livre acesso
à diversidade de formas de expressão.
9. Condições laborais
Deve proceder-se ao desenvolvimento de um plano realizado
em articulação com os sindicatos, as entidades apoiadas e as estruturas
estatais, que estabeleça medidas definidas para erradicar a precariedade
laboral no setor a par do correspondente aumento de verbas para o mesmo.
10. Plataforma de divulgação
Deve ser criada uma plataforma de divulgação e promoção
pública de todas as criações apoiadas, de distribuição e acesso fáceis em todo
o território e que utilize vários meios de comunicação.
CENA – Sindicato dos Músicos, dos Profissionais do Espectáculo e do Audiovisual
PLATEIA – Associação de Profissionais das Artes Cénicas
REDE – Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea
STE – Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos
PLATEIA – Associação de Profissionais das Artes Cénicas
REDE – Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea
STE – Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos
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