A REDE, associação que reúne 26 estruturas transdisciplinares e de dança contemporânea, após tomar conhecimento da decisão unilateral do Ministério da Cultura de reduzir em 10% todos os apoios para as estruturas de criação artística independentes em Portugal, vem por este meio manifestar a sua total discordância e repúdio perante esta medida, pelo processo que decorreu até este resultado e pelos meios e formas de comunicação utilizados pela titular da pasta. O impacto de um corte desta dimensão num orçamento para a cultura já de si escandalosamente reduzido (um dos mais baixos, se não o mais baixo da Europa) e feito de uma forma tão indiscriminada deve merecer uma análise mais séria do que o simples comentário (mais ou menos explícito) em relação à dependência da cultura dos subsídios da tutela.
O Estado reconhece a importância e a necessidade da produção cultural e por isso tem um Ministério próprio nesta área cujo orçamento prevê a promoção de actividades que são realizadas por profissionais. O “público alvo” do Ministério da Cultura não são os artistas, é a população em geral, para quem trabalham milhares de pessoas que por isso são, ou deveriam ser, pagas.
Para que possa haver clareza na análise das medidas que agora são divulgadas deve, antes de mais, tornar-se do domínio público que os subsídios a entidades culturais, são uma das formas legais de garantir a execução da função do Ministério. Os concursos públicos de atribuição destes subsídios – com regras, prazos, orçamentos e júris – não diferem de outros concursos públicos. Ou seja, é tão legítimo o “subsídio” atribuído a uma companhia de dança, quanto o “pagamento” pela construção de um troço de auto-estrada.
Se hoje já ninguém questiona o papel da cultura como um fim civilizacional em si mesmo, as decisões economicistas não deverão ter vistas curtas, devem ter consciência da importância da cultura como factor essencial para o desenvolvimento humano e económico, numa economia de terceiro sector, numa economia inteligente, numa economia onde a agilidade mental, o espírito de iniciativa e a descodificação do mundo fazem a diferença.
Os associados da REDE não rejeitam um esforço de solidariedade social que salvaguarde o futuro do país, nem estão alheios ao contexto económico mundial e ao esforço que está a ser pedido a todos os Ministérios, às empresas, às instituições públicas e privadas. Ou seja, a todo o tecido social. Contudo, não podemos deixar de ficar chocados com uma decisão tomada de uma forma impositiva e sem qualquer discussão prévia, o que traduz uma atitude prepotente e anti-democrática, nos antípodas do que se espera de um Ministério na área da Cultura, onde o primado deveria ser a escuta activa e uma consequente capacidade de comunicação. A REDE rejeita a incapacidade do Ministério para defender uma política cultural de qualidade como ferramenta indispensável para a saída da crise. E sobretudo, rejeita que tais medidas sejam tomadas de forma retroactiva, sem diálogo e sem procurar minimizar os seus futuros efeitos negativos. Quantos postos de trabalho são afectados directa e indirectamente? Que outras indústrias e serviços são igualmente atingidos? Que impacto nas agendas culturais fora dos grandes centros, nas políticas de formação de públicos, nas actividades inter-sectores (educação, acção social, formação profissional)?
No mínimo, quando são solicitados sacrifícios tão violentos num sector já de si tão frágil, esperar-se-ía bom senso e compreensão do impacto negativo destas medidas: para tal o diálogo é indispensável, a análise quantitativa e qualitativa são essenciais, a planificação de medidas que acautelem os impactos sociais do que agora se divulga é exigível.
Neste sentido, torna-se inaceitável o corte de 20% imposto à Direcção-Geral das Artes, já que este é o único organismo do Ministério da Cultura que destina a quase totalidade das suas verbas à criação artística e à acção cultural, não as despendendo em gastos próprios, e que mantém algum diálogo com o tecido artístico. É absolutamente urgente defender o orçamento da Direcção-Geral das Artes.
As estruturas que vêem, neste momento, os seus orçamentos reduzidos têm contractos/programa com o Ministério, tendo por isso já assumido as suas próprias responsabilidades para com terceiros. Cortes desta natureza são eticamente inaceitáveis, mesmo se legalmente foram devidamente pensados e acautelados, já que abrangem um orçamento em plena execução, e grande parte das verbas já foi despendida em calendários que estão já em execução. É inaceitável que este corte tenha efeitos retroactivos: não existe simplesmente maneira de cortar em verbas já despendidas.
Não podemos também esquecer que, até ao final do ano, todas as estruturas têm compromissos fixos com encargos salariais, fiscais, espaços e outros. Este cenário de retroactividade empurra-nos para a decisão de aplicar todos os cortes na produção artística, reduzindo-a, ou mesmo anulando-a totalmente. A retroactividade, agora anunciada, é um golpe duríssimo nas relações de confiança entre os diversos agentes culturais.
Tão grave como este corte nos compromissos já assumidos, é o impasse, o silêncio e a falta de resposta para outros compromissos que estavam agendados, e para os quais foram lançados concursos. Até este momento o Ministério da Cultura não publicou os resultados definitivos dos concursos pontuais, cujos projectos deveriam ter sido executados no primeiro semestre, nem os resultados provisórios do anuais a executar em 2010. Futuros concursos, como sejam os que deveriam abranger o segundo semestre deste ano ou os previstos para 2011, são uma incógnita para a qual se podem apenas tentar adivinhar desfechos, e sempre os mais sombrios, a avaliar pela entrevista publicada no jornal Público de 25 de Junho.
Esta situação de indefinição deixa em suspenso, não apenas a programação cultural, mas toda a capacidade de realização das estruturas já que Ministério da Cultura, com os seus “calendários flutuantes”, compromete, quando não tolhe completamente, a possibilidade de decidir, de cumprir compromissos e de procurar outras soluções.
É fundamental, que neste momento não se façam alterações estruturais à legislação dos concursos, o que apenas causaria mais instabilidade num sector já de si constantemente agredido por novas legislações e novos figurinos legais que só perturbam a continuidade do trabalho. Na realidade, o que se espera de um Ministério da Cultura é que tenha uma politica que estabilize o seu sector e seja institucionalmente solidário com os agentes culturais. O que estas medidas nos trazem e o que a entrevista da Senhora Ministra nos deixa antever é exactamente o oposto: mais instabilidade e a desconfiança em relação à tutela.
Desta forma, exigimos a revogação desta medida e propomos uma ampla discussão dentro do sector, em conjunto com o Ministério da Cultura, onde cortes orçamentais (neste ano fiscal ou no próximo) sejam realmente geridos de forma a não danificar irremediavelmente a criação artística e a minimizar o impacto social das medidas; e onde a planificação a curto e médio prazo seja elaborada de forma partilhada com todos os envolvidos e não apenas nos gabinetes do Ministério.
REDE – Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea
25 de Junho de 2010
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